Metafísica básica e aplicações na ficção



A Metafísica é por vezes representada como uma disciplina exclusivamente teórica, um discurso abstrato que articula noções vagas e misteriosas como “o sentido do ser” ou “o fundamento último daquilo que há”. Para a finalidade que vamos utilizá-la aqui podemos apenas dizer que é a área que, dentre outras coisas, compreende o estudo das realidades que transcedem o mundo físico e dimensionado que vivemos, além da matéria, do tempo e do Kosmos como conhecemos. 

A unidade que compõe todas as coisas, a alma, Deus, a finalidade da existência e o ser enquanto ser, por exemplo, são objetos de estudo da metafísica. Este artigo é uma coletânea que visa apresentar e explicar alguns temas Metafísicos recorrentes tanto nas mitologias, como nas religiões e na ficção, termos que muitas vezes podem ser confusos e se mostrar contraditórios para aqueles que não estão muito habituados com eles. 

Caos 

1.1 - O que é o Caos?

O Caos é em diversas tradições mitológicas, o vazio primordial informe, ilimitado e indefinido, que precedeu e propiciou o nascimento de todos os seres e realidades do universo.

Para os gregos, tanto no pensamento mítico quanto filosófico, é notório a anterioridade do Caos em relação ao cosmos. Cornelius Castoriádis, filósofo grego, pondera sobre esta idéia: "Na teogonia de Hesíodo, lemos que no princípio havia apenas o Caos. Caos, em grego, no sentido próprio e primordial, significa vazio, nada. É do vazio mais total que o mundo emerge. 

Mas, já em Hesíodo, também o universo é caos, no sentido de que não é perfeitamente ordenado, de que não se submete a leis plenas de sentido. No princípio, reinava a desordem mais total, depois, foi criada a ordem, o cosmos. Contudo, nas ‘raízes’ do universo, para além da paisagem familiar, o caos continua a reinar soberano."

1.2 - O sentido grego do Caos (Khaos)

Não é possível pensar sobre o Caos, por mais que se deseje e empenhe. Só é possível pensar sobre aquilo que tem sentido, sobre o que é determinado, e o Caos é tanto um mar de indeterminação como o próprio princípio de onde surge a possibilidade de haver algum sentido. Ou seja, o Caos não pode ser uma coisa, determinada, pois é ele mesmo o princípio da possibilidade de todas as coisas.

1.3 - Porque é impossível pensar e atribuir qualquer sentido ao Caos?

Porque o Caos é o princípio da possibilidade de tudo, sendo assim, é dele que surgem todas as coisas, conceitos, definições, linguagens e determinações. Antes dele não há nada e portanto não se pode atribuir a ele nenhuma definição, pois todas essas definições só passaram a existir a partir do Caos, também não é possível determiná-lo como uma coisa, pois como já foi dito, determinar algo é definir o termo além do qual ela não é, e o Caos é todas as coisas, e ainda assim é ele mesmo.

1.4 - Portanto o que se entende por Caos?

Caos é o princípio da possibilidade de todas as coisas, é um nível de realidade tão diferente do que conhecemos, que poderíamos dizer que não existe, de acordo com nossos conceitos de existência. Mas ele existe, só que em um nível de realidade muito além de nosso entendimento e definições. É de onde todas as coisas emanam e retornam, é o "nada" que concebe tudo.

Infinito

1.1 - O que é o infinito?

Escrever sobre o infinito com as idéias nascidas de uma mente finita levaria a eternidade e não captaria sequer uma parte infinitesimal de sua real magnitude. Para mim dissertar sobre o infinito não faz sentido, e a atitude mais inteligente é lhe atribuir todas as definições o descrevendo da mesma forma que uma criança faria: "O infinito é tudo". É tudo o que tem fim, mas além disso é também o que nunca terminou e nunca irá, também é o que se degrada pela mudança inevitável, assim como a atemporalidade que a ignora, o infinito compreende todas as definições que nossa raça e ciência pôde criar e ainda assim aquilo o que com toda nossa eloquência não somos capazes de determinar.

1.2 - Etmologia

Infinito vem do latim, INFINITUS "sem limites, sem fronteiras", de IN, negativo, mais FINITUS, “o que define”, de FINIS, “fim, término”.

1.3 - O infinito é absoluto?

O infinito é por lei, absoluto. E com absoluto isto implica que ele existe em si e por si, é a própria razão de sua existência, o ser por excelência. 

Se é infinito, nada deve ser capaz de limitá-lo e sua essência deve penetrar todas as coisas, pois tudo o que existe e não é totalmente ele, existe nele e por ele. Se está em todo lugar e é tudo que existe, qualificando-se como irrestrito, é também perfeito, pois está acabado e completo, nada lhe falta. É também imutável, pois não pode, sendo a própria perfeição, ter a necessidade de adquirir o que quer que seja. É eterno, em razão de sua imutabilidade, mudança só existe dentro da linha temporal. É único, só pode haver unidade no infinito e seus atributos não podem ser repartidos.

1.4 - Porque só pode haver um infinito (absoluto)?

Só pode haver um absoluto. Dois infinitos se excluem, se há duas essências diferentes então eles se limitam entre si, pois o que é um não é o outro, e se algo restringe o que deveria ser infinito, então não há Infinidade, pois já foi deturpada em seu significado.

Eternidade

1.1 - O que é eternidade

Eternidade poderia ser descrita como aquilo que dura para sempre, mas duração é entendida como tempo continuo e indefinido, portanto não faria sentido para definir o eterno por completo, por isso a melhor definição para o eterno seria aquilo que é, para sempre. 

Eternidade tem dois ramos principais de significados e apesar de semelhantes, expressam conceitos diferentes, o primeiro significado é a Sempiternidade e o segundo, a atemporalidade.

1.2 - O que é atemporalidade? 

Atemporalidade é o estado daquilo que transcede e independe de qualquer tempo, assim como não é afetado por este. O que é dito como atemporal nele não pode haver começo nem fim, pelo menos não aqueles que se podem determinar a partir de uma linha temporal, também não se diferencia passado nem futuro, há apenas o agora.

Basicamente atemporal é aquele que não possui começo nem fim dererminaveis, que existem independentemente do tempo e que não sofrem influência de eventos temporais, não possuindo passado, presente ou futuro.

Um bom exemplo de atemporalidade é o Deus Judaico-cristão, pois ele estava lá antes do tempo ser formado, e independente de ter sido quem criou esta medida, só por ser algo ou alguém que existiu antes do tempo existir, já o qualifica como uma entidade atemporal.

1.3 - O que é Sempiternidade?

Sempiternidade’ (do latim sempiternus: 'perpétuo, eterno, imortal'), significa duração ou tempo infinito. É um tempo, ou linha temporal que não finda, ou seja, jamais terminará. Um ente Sempiterno seria aquele que desde sempre coexistiu com esta linha temporal e seguirá eternamente com ela seu destino sem fim. O Sempiterno assim como o atemporal não tem começo nem fim, mas diferente deste possui um passado e um futuro, uma vez que sua eternidade se mede dentro de uma linha temporal.

Nada 

1.1 - O que é o nada (Ou o que não é)

O nada pode representar diversas coisas e adquirir conceitos bem diferentes dependendo do ramo que se aprofunda. Ele pode representar a ideia de não existência, pode representar o vácuo quântico, algumas vezes é confundido com o Caos, também pode ser um termo para se referir ao não-ser e em alguns casos é apenas força de expressão para representar um espaço tecnicamente vazio.

1.2 - O nada no sentido de não-existência

Nada é aquilo sobre o que não há o que se intuir ou pensar acerca, pois representa a idéia de algo que não existe e nunca existiu, é a ausência de todas as coisas, a própria não-existência. 

Se eu tivesse que definir o nada em uma frase seria ausência absoluta. Ausência de vida, de matéria, de tempo, de espaço, de deuses e de qualquer coisa manifestada ou não. É a ausência até mesmo da ideia que representa este "estado". Teoricamente, podemos pensar que este conceito seria um "estágio" de ausência que a existência nunca profanaria.

1.3 - O Nada significando o não-ser / ser puro de Hegel

Eis o que diz Hegel sobre o princípio fundamental de todas as coisas:

"[...] precisa ser absoluto ou, o que aqui é equivalente, ser começo abstrato; ele não deve pressupor nada, não deve ser mediatizado por nada nem ter um fundamento; deve ao contrário ser ele mesmo fundamento da ciência inteira. Deve portanto ser absolutamente um imediato, ou antes apenas a imediaticidade mesma. Como não pode ter determinação em relação a outra coisa, tampouco pode ter determinação em si, ou conteúdo, pois tal seria diferença e relação de diferentes uns com os outros e, com isso, uma mediação. O começo é, portanto, o ser puro."

E ele continua:

"Nada há nele a intuir, se é que de intuição pode ser falado aqui; ou ele é apenas essa pura e vazia intuição mesma. Tampouco há algo nele a pensar, ou ele é do mesmo modo apenas esse puro pensamento vazio. O ser, o imediato indeterminado, nada é de fato, e nem mais nem menos que nada"

Ou seja para Hegel o absoluto é o ser puro, a própria negação negante, a abstração absoluta que é nada mais nada menos que NADA. E é nada porque não se pode dizer coisa alguma sobre ele, tão pouco determiná-lo, está visão pode ser explicada através do seguinte raciocínio:

1- De maneira geral, chama-se de “positivo” em filosofia (por exemplo, na filosofia “positivista”) o que é dado: em particular, o que é dado pelos sentidos. O que é dado é determinado. O que é determinado é o que tem termo ou limite que o circunscreve (seja quantitativa, seja qualitativamente). Determinar uma coisa é, portanto, estabelecer o termo além do qual ela não é, ou opô-la ao que ela não é. O número 3, por exemplo, se determina em oposição a 1,2,4,5... e todos os demais. O azul, por exemplo, se determina em oposição ao verde, ao amarelo, ao vermelho... a cor, em oposição à forma, ao volume, ao peso... Por isso, a determinação é negação, como dizia Spinoza: determinatio negatio est. Para determinarmos o que alguma coisa é, negamos – consciente ou inconscientemente, explícita ou implicitamente – inúmeras coisas dela. Ora, o que consideramos “positivo” ou “positividade” é o que sofreu determinação ou negação, isto é, o que foi determinado ou negado. Por exemplo, um automóvel Volkswagen azul é uma positividade, um dado no mundo. Trata-se de um automóvel (e não de um trem, um avião, um tanque, uma casa...), Volkwagen (e não Chevrolet, Honda, Ford...) azul (e não verde, amarelo, vermelho...). O positivo, enquanto determinado, jamais pode ser absoluto.

2- O absoluto (de ab-soluto) é o que basta a si próprio: o que é independentemente de qualquer outra coisa. Sendo assim, ele não é determinado, que, como vimos, é sempre determinado em relação a outra coisa. O absoluto é o indeterminado. Como se chega ao indeterminado? Abstraindo tudo o que é determinado. Através, portanto, do que chamei de “abstração absoluta”. A abstração absoluta nega tudo o que é determinado. Ao final, o que fica? Nada fica de determinado; nada de positivo; nada do que foi negado. No entanto, fica algo indeterminado, que é a própria negação de tudo o que é determinado. Tal é a negação negante. É ela o absoluto

Portanto, o ser puro existe, mas é tão além do nosso entendimento e além de toda forma de determinação de tal forma que parece que nem mesmo existe, significando para nós o mesmo que NADA.

Ficção



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