A existência - Em todos os seus ângulos e níveis

Se há algo realmente intrigante é o caráter mutável deste mundo. Você não estava aqui antes, não estará depois e tudo a sua volta é mudança. Você é parte da criação: A terra, as galáxias, o universo... os universos. Somos uma parte infinitesimal do todo e ainda assim estupidamente egocentristas, agindo como os seres mais importantes de todo o Kosmos, quando talvez sejamos meros acidentes.

O que a humanidade conhece, é uma fração quase insignificante de tudo que existe, e apesar de sermos análogos a formigas nesta imensidão cósmica, nossa curiosidade é com certeza a maior, e desde os tempos mais remotos que tentamos entender o mundo, como nascemos, de onde viemos, porque viemos e onde vivemos.

Este artigo é a reunião mais completa de todas as informações e visões a respeito de estarmos aqui, coletadas por todas as sociedades até hoje, desde o nosso universo, até o seu causador; Desde a lógica até a mitologia, da religião à filosofia. Espero que apreciem essa viagem.

Introdução - Cosmogonia e Cosmologia

Desde que uniu-se homem à razão, tentamos explicar ou entender nossa origem e da natureza e fenômenos ao nosso redor. Dos mitos gregos nasceu a cosmologia, que pode ser entendida como uma tentativa lógica de explicar ou refletir sobre as várias formas do momento em que o mundo e o universo passaram a existir.

Esse artigo abrange tanto os mitos cosmogônicos como a Cosmologia como ramo da ciência de hoje em dia. Embora possuam basicamente o mesmo significado, Cosmogonia e Cosmologia podem ser separadas por significados distintos; Enquanto a primeira se ocupa de explicar o universo através dos mitos, divindades e ciências através da história, a Cosmologia é o ramo da astronomia que estuda a origem, estrutura e evolução do universo a partir da aplicação de métodos científicos.

1- O argumento da causa primeira


"Todo efeito tem uma causa, e toda causa tem uma origem". Este é o princípio da causalidade, a primeira explicação racional filosófica para a existência das coisas.

1-1: É necessário haver uma causa primeira?

Quando se descarta um primeiro princípio, assume-se que ou:

- O universo é eterno
- A série de causas é infinita.
- Houve uma criação Ex Nihilo.

Para melhor abordar cada uma dessas possibilidades, vamos utilizar o método Gléiser, descrito em seu livro "A dança do universo".

Gléiser acreditava que a maior dificuldade em compreendermos a origem do mundo que vivemos é a nossa limitação imposta pelo caráter bipolar de nossa realidade. Vida e morte; bem e mal; dia e noite; corpo e alma; matéria e energia; nossa realidade se resume a dicotomias, e portanto a entidade responsável pela criação tem de criar ambos os opostos e portanto estar além de todas elas.

Desta forma, diversas culturas encontraram resposta no misticismo, assumindo um absoluto, ou realidade absoluta, que é tanto causa como transcendente a esta realidade polarizada. O Absoluto, então, incorpora em si a síntese de todos os opostos, existindo por si só, independente da existência do Universo. Ele não tem uma origem, já que está além de relações de causa e efeito (A própria causa per si). Esse absoluto pode ser Deus, ou o domínio de vários deuses, ou o Caos Primordial, ou mesmo o Vazio, o Não-Ser.

Gléiser classifica os mitos cosmogônicos em "Mitos com criação" e "Mitos sem criação". O primeiro, obviamente, compreende aqueles mitos que supõe um (e apenas um) momento de criação. Já nos mitos em que o universo é eterno, ou criado e destruído infinitas vezes (cíclico) dá-se o nome "Mitos sem criação".

Como dentro de cada um desses grupo existem subgrupos - definidos de acordo com o processo responsável pela existência do universo - Gléiser criou um diagrama para classificar ambos os tipos.

Mitos com criação

Os "Mitos com criação" podem ser dividos em três grupos, de acordo com o agente que efetua a criação. O universo pode ser criado a partir da ação de um ser positivo, que pode ser um deus, uma deusa ou vários deuses. O universo pode também aparecer a partir do vazio absoluto (O nada) , o ser negativo, ou o não-ser, sem a intervenção de uma entidade divina. O universo também pode surgir através da tensão entre a Ordem e o Caos, ambos parte do absoluto inicial.

Aqui, as potencialidades de Ser e Não-Ser coexistem simultaneamente, sem que exista ainda uma separação entre os opostos. Essa tensão por fim gerará a matéria, que, por meio de um processo contínuo de diferenciação toma as várias formas que se manifestam no mundo natural. Nos três casos, podemos visualizar o tempo como uma reta que tem sua origem no ponto t = 0, o instante inicial.

Ser positivo

Nestes mitos, a realidade surge a partir de uma entidade, senciente ou não. O mito mais famoso com certeza é o de Gênesis, no qual Deus manifestando seu poder através do verbo dá forma e origem à existência.

Gênesis




O processo de criação se efetua por meio da separação entre os opostos, em particular entre luz e trevas, a mais primitiva polarização da nossa realidade. Essa separação permite então a definição do dia e da noite, marcando o início da passagem de tempo. Devido ao caráter verbal do processo de criação, alguns autores chamam esse tipo de Ser Positivo de “Deus Pensador”. Criação é, de certa forma um ato racional, expresso através de palavras. A mesma idéia aparece em vários outros mitos.

Oran Mor 

Os celtas não possuem um mito criacional conhecido, e se um dia tiveram um este a muito se perdeu ; para eles o mundo era eterno e seus mitos existenciais mais conhecidos giram em tornos de ciclos infinitos de eternos começos. Um dos mitos de criação que estaria mais em alinhamento com a forma de pensamento celta e druídica, é o Oran Mor:

Calmaria - Eterna Calmaria.  Nem mesmo o som das águas agitadas e inquietas e escuras podiam ser ouvidas.

Então, uma grande espiral de Melodia atravessou as águas sem fim. Uma luz suave no início, depois rapidamente acumulou energia até atingir um grande crescendo. E então havia Vida!

Mas a melodia não parou.  Continuou sua canção, enchendo toda a Criação com sua harmonia divina.  E assim continua até hoje, para todos aqueles que ouvem.

O mito primordial da Criação, comum a todas as pessoas, fala de uma poderosa melodia - o próprio sopro do deus primordial - que canta a Criação na existência.  Para os celtas, era conhecida como Oran Mór, "A Grande Melodia", uma melodia que não cessou com a criação inicial, mas continua e continua, inspirando a Criação ao longo de sua sagrada peregrinação de ofertar e receber bênçãos.

Como foi visto, o ato criacional pode ser executado de diversas maneiras diferentes, utilizando o verbo, o som, o gesto, a respiração e o pensamento, etc... Eu apenas coloquei os exemplos que mais me agradaram dos mitos com criação através de um ser positivo.

Ex Nihilo

Um segundo tipo de mito com Criação assume que nada existia antes da criação do Universo.
Não existia um Deus ou deuses, mas sim puro vazio, o Ser Negativo ou o Não-Ser. A Criação surge do nada, sem nenhuma justificativa de como esse processo foi possível. Um exemplo vem do hinduísmo, no Chandogya Upanisad:

"No início esse [Universo] não existia. De repente, ele passou a existir, transformando-se em um ovo. Depois de um ano incubando, o ovo chocou. Uma metade da casca era de prata, a outra, de ouro. A metade de prata transformou-se na Terra; a de ouro, no Firmamento. A membrana da clara transformou-se nas montanhas; a membrana mais fina, em torno da gema, em nuvens e neblina. As veias viraram rios; o fluido que pulsava nas veias, oceano. E então nasceu Aditya, o Sol. Gritos de saudação foram ouvidos, partindo de tudo que vivia e de todos os objetos do desejo. E desde então, a cada nascer do Sol, juntamente com o ressurgimento de tudo que vive e de todos os objetos do desejo, gritos de saudação são novamente ouvidos."

Ordem vs Caos

O último tipo de mito com Criação
representa a Criação como resultado da tensão entre Ser e Não-Ser, ambos originalmente coexistindo no Caos primordial. Entretanto, ao contrário da cosmogonia de Ovídio, aqui não
encontraremos um Deus como responsável pela Criação; o processo criativo ocorre à medida que a ordem surge do Caos, a partir da interação dinâmica entre tensões opostas. Usando uma linguagem científica moderna, podemos dizer que, nesse tipo de mito, a complexidade observada na Natureza emerge de um estado original de desordem por meio de uma manifestação espontânea de auto-organização. Essa idéia é claramente expressa em um mito taoísta anterior a 200 a.C:

"No princípio era o Caos. Do Caos veio a pura luz que construiu o Céu. As partes mais concentradas juntaram-se para formar a Terra. Céu e Terra deram vida às 10 mil criações [Natureza], o começo, que contém em si o crescimento, usando sempre o Céu e a Terra como seu modelo. As raízes do Yang e do Yin — os princípios do masculino e do feminino — também começaram no Céu e na Terra. Yang e Yin se misturaram, os cinco elementos surgiram dessa mistura e o homem foi formado. [...] Quando Yin e Yang diminuem ou aumentam seu poder, o calor ou o frio são produzidos. O Sol e a Lua trocam suas luzes.

Isso também produz o passar do ano e as cinco direções opostas do Céu: leste, oeste, sul, norte e o ponto central. Portanto, Céu e Terra reproduzem a forma do homem. Yang fornece e Yin recebe."

Os opostos são representados por Yin e Yang, com Yin representando passividade, escuridão e fraqueza, e Yang representando atividade, brilho e força. A Criação resulta da complementaridade dinâmica entre os opostos, da tensão que surge da necessidade de ambos existirem no mesmo Universo.

Mitos sem Criação

Os "mitos sem Criação" podem ser subdivididos em dois grupos. Como não existe um momento definido de criação, as únicas possibilidades são um universo que existe e existirá para toda a eternidade, ou um universo que é continuamente criado e destruido, em um ciclo que se repete para sempre. No primeiro caso, podemos visualizar o tempo como uma linha reta que se origina num ponto infinitamente distante de onde estamos agora. Portanto, todos os pontos na linha reta são equivalentes e o que definimos como o inicio do tempo passa a ser uma escolha subjetiva. Nós é que escolhemos quando começamos a contar a passagem do tempo. No segundo caso, podemos visualizar o tempo como um círculo que sempre retorna ao seu ponto de partida. Novamente, não existe nenhum ponto especial que possamos identificar como o inicio do tempo.

Para Aristóteles

Na visão aristotélica, a série de causas NÃO é infinita. No que diz respeito aos acontecimentos que "geram" (as coisas) - que se dá o nome de ordem ascendente - a série de causas que se apresenta ao longo dos efeitos sucessivos compreende intermédios, que necessariamente implicam um termo que lhe seja antecedente. Ou seja, por exemplo, para um vizinho ter que arcar com os custos do vidro quebrado de uma dona de casa, o seu filho teve que chutar a bola no vidro; assim como a bola teve de ser trazida para o lado de fora para que o menino pudesse chutá-la em direção ao vidro da dona de casa. Se continuarmos regredindo nesse pensamento, esses eventos se ramificariam em diversas partes, desde a fabricação da bola, até o nascimento do menino, o nascimento de seus ancestrais, o nascimento da vida, etc... No entanto não poderíamos regredir infinitamente, pois se a série de causas fosse AD infinitum não haveria princípios, mas somente intermédios, e portanto não haveria causa. Em outras palavras: Sem causa primeira não se dá realmente o conceito de causa, mas somente o de intermédio.

Também na ordem descendente não há sucessão AD infinitum. Na geração como desenvolvimento (o ato de progredir), como por exemplo um discípulo que se torna mestre, essa sucessão infinita não existe pois somente há intermédios entre um princípio e um fim. Na geração como produção de coisa diversa (como um efeito qualquer), como por exemplo o vapor vem da água, também não há sucessão AD infinitum,

1-2: O que é o ser ou substância que deu origem a todas as coisas

-Para os filósofos pré-socráticos

Se seguirmos o raciocínio da causalidade, tudo que passou a existir foi causado por algo e este algo também terá de ser causado por outro algo e assim até o infinito. Para isso os filósofos desenvolveram algo que chamaram de "Arché", que é um elemento primordial, origem e raiz de todas as coisas da physis. A arché está antes de tudo, no começo e no fim de tudo, o fundamento, o fundo imortal e imutável, incorruptível de todas as coisas, que as faz surgir e as governa. É a origem, mas não como algo que ficou no passado e sim como aquilo que, aqui e agora, dá origem a tudo, perene e permanentemente.
Basicamente a Arché é necessária em um sistema no qual o "Divino" ou substância primordial é imanente.

A Arché seria então a condição para que exista a causalidade, como explica Diógenes:

"[..] Todas as coisas são diferenciações de uma mesma coisa e são a mesma coisa. E isto é evidente. Porque se as coisas que são agora neste mundo - terra, água ar e fogo e as outras coisas que se manifestam neste mundo -, se alguma destas coisas fosse diferente de qualquer outra, diferente em sua natureza própria e se não permanecesse a mesma coisa em suas muitas mudanças e diferenciações, então não poderiam as coisas, de nenhuma maneira, misturar-se umas as outras, nem fazer bem ou mal urnas as outras, nem a planta poderia brotar da terra, nem um animal ou qualquer outra coisa vir a existência, se todas as coisas não fossem compostas de modo a serem as mesmas. Todas as coisas nascem, através de diferenciações, de uma mesma coisa, ora em uma forma, ora em outra, retomando sempre a mesma coisa."

A partir da ideia de que há apenas uma única substância, entre os pré-socráticos (Empédocles, Anaxágoras, Leucipo e Demócrito) surgiu outra ideia fundamental - a de que tudo o que existe tem como causa a substância na medida em que nela ocorrem composições e decomposições.

A grande idéia da Arché é a de unidade e retorno ao um, os pré socráticos estavam cansados de divindades por todos os lados e resolveram buscar uma explicação racional para a vida, e assumiram que ela deveria estar presente e imanente à natureza. Porém a grande falha da maioria deles foi pensar que os únicos princípios explicativos da constituição das coisas existentes tinham que ser de índole material. É aí que entra Anaximandro. Discípulo de Thales, ele não acreditava que a água fosse o princípio de todas as coisas, e então buscou sua própria Árchie: O ápeiron.

Aquilo, a partir do qual tudo é criado, tem de ser completamente diferente de tudo o que é criado. 


http://www.acervofilosofico.com/as-quatro-causas-aristotelicas-2

http://www.joaquimdecarvalho.org/artigos/artigo/156-Introducao-a-metafisica-de-Aristoteles-/pag-15

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