A tumba: H.P Lovecraft - Interpretação pós análise



Este é o primeiro dos muitos trabalhos sobre o indescritível, na falta de termo melhor, Howard Philips Lovecraft, que eu pretendo trazer aqui para o blog. Por ser não só o meu escritor favorito, mas também o que mais admiro é bem provável que o blog tenha mais posts sobre ele do que sobre qualquer outra coisa.

Aqui está minha interpretação do conto "A tumba" do mestre Lovercraft, após ter analisado minuciosamente durante quase o dia inteiro, mas ainda está longe da minha concepção do que posso chamar de definitivo.

À interpretação:

O Narrador introduz sua posição no inicio do conto: internado em um sanatório explicíta que sua reputação de loucura comprometerá sua narrativa, ao passo de que atribui tal reputação à ignorância do "grosso da humanidade", que com suas mentes fechadas e agarradas ao habitual e costumeiro se recusam a concepção mental do grotesco incomum e se fecham à aceitação do sobrenatural (Chamado pelo narrador de "lances de visão maior), rotulando os que o fazem, ou relatam a experiência pessoal com tais, como loucos.

A premissa do autor ao ínicio deste e em outros contos é a concepção de que os homens temem aquilo que lhes é desconhecido, com toda sua ciência e evolução, a idéia de existirem seres ou forças sobrenaturais que não podem compreender fere seu ego tanto quanto os aterroriza.

Ao apresentar-se, o narrador, agora revelando-nos seu nome, Jervas Dudley, relata uma infância de estranho apreço pelo conhecimento antigo e paisagem ancestral, como se deslocado no tempo.
Limita-se à descrições simples e em dado momento menciona algo curisoso:

"[…] discorrer mais detalhadamente apenas confirmaria essas calúnias cruéis acerca de meu intelecto que às vezes ouço sussurrarem os atendentes furtivos que me rodeiam. Basta-me relatar os eventos, sem analisar as causas."

Essa precaução, medida condenável para um homem que se diz são, vem-se a justificar nos trechos mencionados:

"Vivi afastado do mundo visível"

"Durante o dia todo eu tinha estado a perambular através dos bosques místicos do vale, a conceber pensamentos que não há que discutir e a conversar com coisas que não há de nomear."

Afinal, é de fato característica dos chamados "loucos" o diálogo em voz alta aparentemente consigo mesmo, ou, sob outra perspectiva, com algo ou alguém que ninguém mais é capaz de perceber ou captar através dos sentidos; tais atitudes, baseadas nas concepções de senso comum de "anormal" e "sanidade" nos faria de imediato questionar a sanidade do indivíduo, não obstante o fato de ser criança, a natureza dos diálogos, de aparente anormalidade, condenaria-o, perante a sociedade, a um estado de pertubação mental, e se em instância, um sanatório não fosse cogitado, seria inegável o encaminhamento a profissionais da psique para cuidadosos exames.
    Por parte de Jervas, é com cuidadosa e tranquilizadora sabedoria que ele contorna estas suspeitas: "Deixarei o julgamento final a cargo de meus leitores, depois que souberem de tudo."

Na decorrência da narrativa, quando ainda não atingira a maturidade, Jervas descobriu não só a velha mansão que culminaria nos eventos que viriam a o pôr no sanatório, como também boatos e informações sobre a família que nela um dia habitara. Neste momento de descobertas para Jervas, se inserte uma característica sobressaltante do autor, que se essa análise me permite algum elogio não posso me inibir de fazê-los: A surreal, na falta de termo melhor, capacidade de Lovercraft de fazer cada detalhe que possa-se julgar desnecessário, cada citação de aparente simplicidade ou irrelevância se tornar parte de algo grande em algum momento do texto. Creio que possa me justificar mais à frente, por enquanto basta o informe: Há algumas passagens sobre a cultura e habitos da família Hydes, falecidos proprietários da antiga mansão descrita no conto, que, embora pouco relevantes agora, serão de grande valia ao final.

Perambulando a esmo pelos bosques do vale, Jervas se depara com a cripta no exterior da mansão dos Hydes, esta que é a parte mais importante da narrativa, pois apenas por ela se pode compreender totalmente o desfecho. É importante entendê-la, pois ela é o limiar, ao ultrapassarmos, na concepção de Jervas definiriamos o que somos: Escória assustada e ignorante temendo pisar fora de seu porto seguro; de fato incrédulos; ou, homens de intelecto mais amplo. A descrição em detalhes que ocorre neste momento é o pilar da compreensão e sugere muito mais do que sua casca revela. Neste momento não percebemos a preocupação do autor em causar um embaraço na mente do leitor ao término, um sútil capricho.

Jervas atribui a uma voz oriunda da floresta, seu primeiro desejo e decisão de adentrar a mansão:

"Espicaçado por uma voz que deve ter vindo da alma medonha da floresta, tomei a decisão de penetrar na escuridão que me convocava, a despeito das pesadas correntes que impediam minha passagem. Na luz evanescente do dia chacoalhei insistentemente os obstáculos enferrujados, na esperança de abrir a porta de pedra, e até mesmo experimentei espremer meu corpo magro através do pouco espaço disponível, mas essas tentativas não surtiram efeito."

É interesante neste momento, desviar a narrativa para novamente divagar sobre a loucura, pois pode-se justificar uma certa atração ou curiosidade acerca dos mortos ou ao passado de família Hydes, embora as tentativas desesperadas e obsessão desenfreada não fossem natural, mas que tipo de pessoa sã ouviria uma voz no silencioso coração de um bosque? Ou pior, que pessoa sã daria ouvidos a ela? Se não é louco, Jervas Dudley foi mais sábio do que parecia ao recomendar o julgo apenas após o conhecimento de toda a narrativa.

Chegando a esta parte, em que há um contato mais profundo com a mansão; o leitor mais atento notará uma crescente aparição de descrições memoriais do narrador a despeito de assombrosa familiaridade, como um dejá vu; e o mais astuto cogitará, corretamente devo dizer, o que é, antes que se confirme. Como exemplo destas memórias:

"O odor do lugar me repelia e ao mesmo tempo me enfeitiçava. Sentia como se já o tivesse conhecido num passado remoto, anterior a toda lembrança, anterior mesmo à habitação deste corpo que agora possuo."

"Assim que fechei a porta atrás de mim e desci os degraus encharcados à luz de uma vela, era como se eu já soubesse o caminho, e embora a vela crepitasse na atmosfera sufocante do lugar, eu me sentia singularmente em casa naquele ar mofado e sepulcral."

"Um de meus abrigos favoritos durante o dia era o porão arruinado da mansão que se incendiara, e na imaginação eu reconstituía a estrutura tal qual teria sido em seus primórdios. Em certa ocasião, deixei pasmado um aldeão ao conduzi-lo secretamente até um sub-porão de teto baixo, de cuja existência eu parecia saber a despeito do fato de ele ter ficado oculto e esquecido por muitas gerações."

Quando mais velho, Jervas descobre ser o último descendente dos Hydes e na idade de 21 anos, encontrou em seu sótão uma chave para o cadeado no portão da mansão:

"Mas a idéia de entrar na tumba nunca me saiu da cabeça, sendo mesmo estimulada pela inesperada descoberta genealógica de que minha ascendência materna mantinha um ligeiro vínculo com a supostamente extinta família dos Hydes. Último de minha raça paterna, eu era igualmente o último dessa linhagem mais antiga e mais misteriosa."

" Logo que voltei a casa, dirigi-me imediatamente a uma arca carcomida no sótão, onde encontrei a chave que no dia seguinte removeu com facilidade o obstáculo contra o qual me bati em vão durante tanto tempo."

Dois momentos curiosos e importantes, porque de uma simples curiosidade e obstinação motivada por apenas uma fascinação e suposta orientação por uma voz da floresta, a motivação de Dudley se torna algo mais sério fundamentado por uma ancestralidade que corria em seu sangue e da qual ele de algum modo fazia parte.

Jervas sofre uma profunda metamorfose após as constantes visitas à cripta, adquire novas maneiras de falar e entoar canções blasfemas há muito esquecidas que não haveria outra forma de aprendê-las não vivesse ele na época de seus ancestrais. Revela também adquirir um repentino medo à temporais e ao fogo.

"Por essa época é que adquiri meu medo atual ao fogo e aos temporais. Indiferente até então a tais coisas, tinha por eles agora um indizível horror e me retiraria para os recantos mais profundos da casa assim que nos céus se anunciassem quaisquer sinais de eletricidade."

Como tende a ocorrer quando se faz de algo hábito, com o tempo jervas teve que enfrentar da desconfiança de seus pais acerca de si e acautelou-se quanto as visitas, adquirindo um conservadorismo maior quanto as idas à mansão. No entanto, segundo seu relato, não a deixou de frequentar, em um descuido deparou-se com um homem de olhar fixo e aterrorizado o vigiando, e estava tão certo de que havia sido descoberto quanto o próprio leitor a este ponto estaria:

"Certa manhã, quando saí da tumba úmida e prendi as correntes do portal com pouca firmeza, lobriguei numa macega próxima a face horrorizada de um bisbilhoteiro. Por certo o fim estava próximo, pois meu recanto fora descoberto e o objetivo de minhas jornadas noturnas fora revelado. O homem não me abordou, de modo que me apressei a chegar a casa, a fim de descobrir o que ele reportaria ao meu pai preocupado. Seriam minhas incursões para além da porta trancada reveladas ao mundo? Imaginem com que espanto deleitoso ouvi meu espião informar a meu pai, num cauteloso sussurro, que eu tinha passado a noite na clareira em frente à tumba, meus olhos baços de sono fixados na fenda da porta não de todo fechada! Que milagre ocorrera a ponto de iludir assim esse observador? Convenci-me de que um agente sobrenatural me protegera."

Jervas relata ter adentrado a cripta; o relato do "bisbilhoteiro", em contraste dita que ele sequer passara do portão, tendo adormecido em fronte a este. Aqui, não há nada a se fazer, nenhuma conclusão a tirar, resta apenas seguir o conselho do pobre Jervas e esperar pelo término do relato, e - falo por mim - torcer para que a conclusão da narrativa de Dudley não descarrilhe de tal forma que culmine na possibilidade de verdadeira loucura, o que este último trecho ameaça fazer.

Após os acontecimentos, Jervas passa a ir à cripta explicitamente, seguro de que ninguém o veria adentrá-la, uma vez que estava certo de que algo sobrenatural o protegia, e em todas estas visitas ninguém de fato o vê entrar. Até então a relação daquela mansão com ele é desconhecida, apenas uma ligação de ancestralidade, mas o motivo de tamanha obstinação e familiariedade ainda não emergiu, e o fato de não ser visto ultrapassar o portal por nenhum aldeão e seu término internado em um hospício ainda não se relacionam. Em uma noite Jervas sai para visitar a cripta e algo diferente , notado mesmo por ele, se põe a ocorrer:

"Não devia ter me aventurado a sair naquela noite, pois indícios de trovões relampejavam nas nuvens e uma fosforescência infernal subia do pântano ao fundo do vale. Também o chamado dos mortos estava diferente. Em vez da tumba na encosta, era o demônio que presidia o porão chamuscado no topo da elevação que me acenava com dedos invisíveis."

É importante pesar esse fato, pois o narrador havia revelado um grande medo por tempestades e relâmpagos, a ponto de mesmo em "proteção" de um abrigo recostar-se apavorado em algum canto da casa enquanto estes durassem. Uma fobia, mesmo em graus menores, não é tão facilmente superada, e isso leva a imaginação do que seria tão repentino e misterioso que faria Jervas superar ou esquecer por um momento sua fobia e sair a céu aberto naquela noite trovejante, parece evidente que sua obsessão pela cripta estivesse maior do que nunca. Aos eventos que sucederam esta visita, Jervas as relata com assombrosa normalidade:

"Quando saí de um matagal intermediário para o plaino diante da ruína, descobri sob o luar nebuloso uma coisa pela qual sempre esperara vagamente. A mansão, destruída havia um século, mais uma vez se erguia no alto como uma visão arrebatadora, todas as janelas a brilhar com o esplendor de muitas velas. Pela longa estrada rodavam as carruagens da elite de Boston, enquanto a pé se aproximava um numeroso ajuntamento de janotas empoados, provenientes das mansões vizinhas. Misturei-me a essa multidão, conquanto estivesse certo de pertencer mais ao dos anfitriões que ao dos hóspedes."

Jervas conta algo impossível, como se todas suas visitas obsessiva e conhecimentos acerca da mansão tivessem sido recompensados, ele relata que a mansão estava novamente reconstruída, como se nunca um dia houvesse sequer sido destruída. E uma multidão, vizinhos de outras mansões, se encaminhavam a ela. Aqui o autor demonstra "vontade" de induzir o leitor a insinuar a loucura de Jervas, catalogando suas recomendações e avisos iniciais como simples desespero de um homem almejando parecer são, ou persuasões típicas de um manipulador, afinal, nossas noções e conhecimentos acumulados nos dizem que é impossível uma mansão abandonada, completamente destruída a um século e ainda em tal estado em uma noite, reeguer-se do na na seguinte.

Observa-se que desde a descoberta da tumba até a fase atual, Jervas ao pouco fora se transformando, hábitos, expressões, todos os seus aspectos e modos em que fora ensinado jaziam perdidos como se substituido pelos de outra pessoa, e o clímax desta mudança, em que a "metamorfose" parece concluída, ocorre juntamente ao desfecho da situação.

"Em meio a essa turba selvagem e estouvada, eu era o mais selvagem e o mais debochado. Alegres blasfêmias jorravam de meus lábios, e em chocantes gracejos eu desprezava as leis de Deus ou da natureza."

"Súbito, o estrondo de um trovão, muito mais forte que a algazarra do imundo festim, rompeu o telhado e fez baixar um enorme silêncio sobre a companhia turbulenta. Línguas vermelhas de fogo e golfadas de calor ardente envolveram a casa, e os participantes, tomados pelo pavor de uma iminente calamidade que parecia transcender os limites da natureza desgovernada, fugiram aos gritos noite adentro. Somente eu permaneci, preso ao meu assento por um medo humilhante que nunca antes sentira."

"E então um segundo horror tomou conta de minha alma. Queimado vivo até às cinzas, meu corpo disperso aos quatro ventos, eu nunca poderia jazer no túmulo dos Hydes! Não estava meu caixão já preparado para mim? Não tinha eu o direito de descansar até a eternidade entre os descendentes de Sir Geoffrey Hyde? Ai! eu exigiria minha herança de morte, mesmo que minha alma vagasse através das eras à procura de uma nova habitação corpórea, que a representaria sobre aquela laje desocupada na alcova da cripta. Jervas Hyde não deveria jamais compartilhar do triste destino de Palinuro!"

Após os relatos, elevados ao limite da sanidade, é certo que Jervas Dudles morrera, mas se é isso que ele conta como poderia estar vivo em um sanatório? Que tipo de mentira estúpida ele poderia estar contando? Ou talvez, vendo de outra forma, que tipo de verdade aterrorizante este relato poderia esconder? E se devida atenção for dada, é notável que ele refere-se a si por Jervas Hyde, apesar de descobrir um certo parentesco, como o ultimo da linhagem, ele jamais possuiu Hyde em seu nome, e o que dizer dos relatos de Jervas sobre ter reconhecido aqueles rostos e sobre suas blasfemas pronunciações? Mentalizando uma balança, os indicios de loucura estariam verdadeiramente pesando mais do que os de sanidade.

"Quando o fantasma da casa incendiada desapareceu, encontrei-me a gritar e a me contorcer loucamente nos braços de dois homens, um dos quais era o espião que me seguira até a tumba. A chuva caía torrencialmente, e sobre o horizonte, na direção sul, viam-se os clarões dos relâmpagos que há pouco tinham passado sobre nossas cabeças. Meu pai, a face transtornada de pesar, estava ao lado, enquanto eu ordenava aos berros que me colocassem na tumba, admoestando freqüentemente os meus capturadores para me tratarem com a máxima consideração."

Aqui, poderia-se concluir que o relato é absurdo, e que, é plausível as estranhas ações e alucinações de Jervas tê-lo levado ao sanatório sob a condição de louco, mas encontrando fé e paciência, talvez ache-se também sabedoria para esperar o desfecho.

"Cessando minhas contorções fúteis e sem sentido, observei os espectadores enquanto olhavam o pequeno tesouro e obtive permissão para compartilhar de suas descobertas. A caixa, cujo fecho tinha se partido com o golpe que a desenterrara, continha alguns papéis e objetos de valor, mas eu só tinha olhos para uma coisa. Tratava-se da miniatura em porcelana de um homem jovem usando uma peruca caprichosamente encaracolada, a qual portava as iniciais "J. H." Quanto à face, sua conformação era tal como se eu estivesse a me olhar no espelho."

"Não fosse pelo meu velho serviçal Hiram, eu hoje estaria convencido de minha loucura.
Mas Hiram, leal até o fim, conservou sua fé em mim e fez aquilo que me impele a trazer a público pelo menos uma parte de minha história. Há uma semana, ele quebrou o cadeado que prende a porta da tumba em sua posição perpetuamente semicerrada e desceu com uma lanterna até as profundezas sombrias. Sobre uma laje, numa alcova, encontrou um velho mas ainda vazio caixão cuja inscrição deslustrada contém uma simples palavra: Jervas. Nesse caixão e nessa cripta é que me prometeram que serei enterrado."

Estas conclusões provam que Jervas é de fato um Hydes e que toda aquela familiariedade tem uma natureza a mais do que simples coincidência. E a descoberta de seu velho amigo acerca da tumba - o que não se pode cogitar ser uma brincadeira de mau gosto, uma vez que nenhum homem, eloquente o suficiente para escrever esta carta, poderia ser louco a ponto de forjar declarações que apenas o manteriam por mais tempo no hospício - demonstra que o relato de Jervas pode realmente provar-se verídico, embora seja difícil para a maioria das mentes aceitá-lo.

O término do relato, quando analisado de forma cautelosa, revela que nada fora real, embora tudo tenha de fato acontecido. Jervas Dudley nunca destrancou o cadeado que mantinha selada a entrada da cripta, ele nunca adentrou o portão, e a mansão nunca se reegueu de suas cinzas profanas, assim como o fogo nunca consumiu seu corpo jovem que porventura viesse a se reconstituir de forma mágica depois. Embora Jervas Hydes naquela noite realmente festejou e praguejou as mais imundas e inomináveis blasfemas contra Deus e o mundo, retornando ao pó através das chamas que sucederam os mais severos relâmpagos e estrondosos trovões.
Qualquer força mística que tenha agido naquela noite - porque estou certo da sanidade de Jervas - e nas que a antecederam, fez o último Hydes reviver a noite em que perdeu seu corpo para a ira divina. Sim, fora isso que de fato acontecera, por meio de alguma poderosa ilusão ou sonho, Jervas Hydes se lembrou quem era e como morrera, blasfemas naquela noite proferidas pelos Hydes e pelo ávido Jervas, o mais empolgado, provocaram a ira de Deus, o que as breves declarações sobre os proprietários da mansão, há muito esquecidos no texto pelo leitor, revelam:

"Lendas murmuradas acerca de ritos exóticos e festins pagãos de épocas passadas, ocorridos dentro do vestíbulo ancestral, despertaram em mim um novo e irresistível interesse pela tumba, em frente a cuja porta eu me sentaria durante horas diariamente."

"A residência do clã cujos descendentes estão enterrados aqui coroou certa vez o declive no qual está a tumba, mas há muito tombou vitimada pelas chamas que desceram do céu na forma de um relâmpago. Daquela tempestade que à meia-noite destruiu essa lúgubre mansão os habitantes mais velhos da região às vezes falam entre sussurros e inquietações, aludindo ao que chamam de "ira divina" de um modo que nos últimos anos fez crescer vagamente o fascínio que eu sentia pelo sepulcro encravado na mata."

Vagou em alma - o que não nos cabe pensar muito a respeito - condição que a morte de seu corpo físico o obrigou, em busca de um nova habitação na qual estranhamente iniciou uma nova vida até que finalmente possa descansar, não em paz, mas em seu lugar de direito, na sua tumba, em sua mansão, ao lado de seus amáveis  ancestrais que há muito abraçaram a morte antes dele.

É provável, quase indubitável, que todos os eventos se puserem a recriar-se apenas na mente de Jervas. Ele faz uma alusão ao irreal ao dizer: "Quando o fantasma da casa queimada desapareceu..." e, seu pai confirma a inexistência de eventos concretos, revelando que Jervas nunca adentrou a mansão:

"Meu pai, que me visita com freqüência, assevera que em tempo algum atravessei o portal lacrado pelas correntes e jura que, quando o examinou, o cadeado enferrujado tem estado como sempre esteve ao longo de cinqüenta anos. Chega mesmo a dizer que toda a comunidade sabia de minhas idas ao túmulo e que eu era muitas vezes vigiado enquanto dormia na clareira da encosta, meus olhos semicerrados fixos na fenda que conduz ao interior. Contra essas afirmações não tenho nenhuma prova tangível, até porque a chave para o cadeado se perdeu na luta durante aquela noite de horrores."

Jervas disse que constantemente era visto dormindo em frente ao portal, o que pode nos fazer pensar que a revelação tenha se recriado em sonho.

"Essa clareira se tornou meu templo, a porta fechada meu santuário, e era aqui que eu me deitava sobre o solo musgoso a pensar estranhos pensamentos e a sonhar sonhos estranhos.
A noite da primeira revelação estava bastante abafada. Devo ter adormecido de cansaço, pois foi com uma clara sensação de despertar que ouvi as vozes."

Se não sonhando, Jervas esteve sob uma ilusão induzida por forças externas, ou talvez a ilusão tenha surgido por intermédios do sonho. A ilusão da floresta, criada pela mixigenação de espectros e que resultava em uma coloração verde ao ambiente, a mesma que gerou a primeira voz, no suntuoso coração do bosque, talvez seja a provável e principal responsável pelas visões sobrenaturais - uma vez que  a palavra alucinação sugere loucura - que Jervas teve naquela noite. Creio que seja o momento apropriado de retomar um trecho no meio do conto no qual o narrador, por meio de uma breve descrição da paisagem, relata aquilo que - se minhas percepções não me iludem - viria a explicar os acontecimentos:

"Foi em pleno verão, quando a alquimia da natureza transmuda a paisagem silvestre numa única e quase homogênea massa de verde, quando os sentidos estão quase intoxicados com os mares afluentes de verdura úmida e os odores sutilmente indefiníveis do solo e da vegetação. Numa tal ambientação a mente perde suas perspectivas, o tempo e o espaço tornam-se triviais e irreais, e ecos de um esquecido passado pré-histórico batem insistentemente contra a consciência enlevada."

Uma análise cuidadosa, revela que o narrador relata um verão, mas após uma década, a estação - apesar de jamais ter se tornado obsoleta - se faz oculta pelo narrador, talvez um capricho do autor para, no fim, reinar de fato à incerteza. Bem, o detalhe é que essa ambientação, o bosque, sempre fora um ambiente psicológico para Jervas, ali, ele afirma ter concebido pensamentos que não há que discutir e conversado com coisas inomináveis; Ele também atribui uma característica ao bosque em seus relatos; ele o define como místico, isto é: sobrenatural, sobre-humano. No relato em questão, isto é, no dia em que ouvira o chamado abrupto da floresta, ele define o efeito do bosque sobre si com um inesperado toque surrealista:

"Numa tal ambientação a mente perde suas perspectivas, o tempo e o espaço tornam-se triviais e irreais, e ecos de um esquecido passado pré-histórico batem insistentemente contra a consciência enlevada."

Ele diz que a mente perde suas perspectivas, mas isso só ocorre se está-se em um real efeito de alucinação, e é verdade que alucinação, em sociedade, possa ser definição para efeito ou causa da loucura, mas não posso culpá-los por suas ignorâncias em não comprendê-la pelo que de fato pode ser: lances de visão maior. O tempo e espaço, segundo Jervas, tornam-se triviais - o que faz qualquer percepção captada pelos sentidos duvidoso - e irreais - o que torna qualquer relato daquele dia fruto de sua mente sem perspectivas. No entanto o que talvez tenha induzido a correlação deste trecho com o final, tenha sido a última frase:
"[…] ecos de um esquecido passado pré-histórico batem insistentemente contra a consciência enlevada."
Isto sugere pertubadoramente recordações ou  fragmentos do passado que tal ilusão possa trazer à
mente enfeitiçada.

Aconselho-vos então, a não julgar Jervas antes de compreender totalmente seu relato dos eventos, e adianto que sua internação naquele sanatório é motivo de pena, pena dos homens que em suas zonas, infestadas de "excesso de seguranca" não percebem, não querem ou não se deixam perceber, as forças ou sensações que agem no oculto e existem, à espreita.

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